quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ex-votos em Canindé

“A festa de S. Francisco estava próxima e, naquele dia, uma imensa peregrinação invadiu a pequena cidade onde nos detivemos. [...] Almoçamos em um albergue escuro; a proprietária não aceitou nada – da mesma maneira que, no caminho de volta, o dono do Café onde bebemos alguma coisa: a amizade do chefe de polícia bem que valia alguns presentinhos.Pelas ruas, eram vendidas horríveis fotografias do Santuário dedicado a S. Francisco; ele era tão feio quanto elas. Mas o barracão dos ex-votos era ainda mais extraordinário que a Sacristia do Senhor do Bonfim. Ao centro, amontoavam-se os objetos de madeira, que anualmente são queimados em uma fogueira: bonecas feiticeiras, braços, pernas, pés, mãos, cabeças, sexos, muletas; o monte chegava quase ao teto. Nas paredes, fotografias, desenhos, pinturas representavam os acidentes de que o fiel havia escapado, ou as doenças curadas por S. Francisco: úlceras, chagas, tumores, lupas, bócios, pústulas, dartros, deformações. Os órgãos ou membros doentes eram figurados em gesso, em cera: fígados, rins, inúmeros sexos; o tempo mofara e apodrecera esses simulacros [...] Atravessamos uma aldeia onde bandeirolas, grinaldas, açafates anunciavam uma festa; cruzamos velhos carros, carregados de jovens; passamos por bandos, em marcha; os rapazes usavam lustrosas camisas verdes e as moças vestidos de cores vivas; traziam os sapatos nas mãos, não só para não estragá-los, como também para descansar os pés.”

Trecho de Sob o Signo da História, de Simone de Beauvoir.

Fonte:O POVO

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Senado na mídia - Principais jornais

Data: 05/07/2010 Fonte: Correio Braziliense - Internet

ARTIGO - Morton Scheinberg

Morosidade federal: inimiga da saúde e dos cofres públicos
A artrite reumatoide é responsável por cerca de 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, e é, de acordo com a Previdência Social, a causa de 7,5% de todos os afastamentos do trabalho no País e a quarta a determinar aposentadoria ¿ 6,2% dos casos. Mas, além de tudo isso, a doença contribui para fazer crescer outro número que envergonha a sociedade: os imensos gastos na compra de remédios por ações judiciais pelo Ministério da Saúde.
O tratamento da artrite reumatoide é predominantemente ambulatorial com o uso de anti-inflamatórios, visa restaurar a qualidade de vida e prevenir a destruição articular. Porém, em aproximadamente dois terços dos casos, os pacientes não respondem aos tratamentos com estas drogas e passam a necessitar o uso de imunobiológicos, medicamentos conhecidos como ¿terapia-alvo¿.
Mesmo apresentando respostas favoráveis ao uso da medicação biológica, muitos pacientes perdem com o tempo os resultados favoráveis iniciais ou passam a observar eventos adversos, necessitando de novas medicações, já disponíveis no mercado, mas ainda sem autorização para inclusão na lista pública de medicamentos da alta complexidade do Ministério da Saúde ¿ caso do abatacepte, do rituximabe e do tocilizumabe ¿ e distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde modo, torna-se importante para os pacientes que apresentam formas mais graves da doença que este grupo de medicamentos seja de livre acesso no SUS, após a prescrição pelo reumatologista que o acompanha. Como a Constituição aponta ao Estado o dever da garantir a saúde da população, sobra ao paciente recorrer à Justiça para conseguir o tratamento.
E isso é mais comum do que imaginamos. As ações impetradas em busca de medicamentos que não constam nas listas ¿ de todas as classes terapêuticas ¿, apenas em São Paulo, por exemplo, somam 25 mil, gerando à Secretaria Estadual da Saúde gastos de R$ 25 milhões para cumprir ordens judiciais. O dado é ainda mais alarmante quando observamos todas as esferas: apenas em 2009, cerca de R$ 2 bilhões foram destinados para cumprir as liminares.
Muito se tem discutido judicial e legislativamente e decisões têm sido tomadas a favor da população, como a recente determinação do Senado de obrigar o Ministério da Saúde a atualizar sua lista de remédios todos os anos. Mas ainda há muito o que fazer. Mesmo com a lista atualizada, ainda esbarra-se na morosidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela aprovação e pelo registro de novos fármacos para que estes possam ir ao mercado.
Sem a agilidade da Anvisa, perde o sistema de saúde brasileiro, que continuará sofrendo com mandados de segurança para fornecer medicamentos e com a dispensa de recursos que poderiam ser evitadas, mas perde muito mais a população, renegada a um tratamento muitas vezes ineficaz e que cuja evolução, por vezes, é pouco eficiente.

Morton Scheinberg
Coordenador de pesquisas clínicas e diretor científico do Hospital Abreu Sodré-AACD (especializado em sistema músculo esquelético), ph. D. em imunologia pela Universidade de Boston, livre docente em imunologia pela USP, clínico e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein (SP)