segunda-feira, 26 de abril de 2010

RELAÇÃO mãe-bebê Na busca por uma vida pulsional plena

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Dra. Helena Cardoso: O olhar e a voz da mãe são objetos marcantes para a formação do circuito pulsional.
VIVIANE PINHEIRO

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A obra "Primeira carícia", Bouguereau, expressa o pleno sentido do elo

18/4/2010

Coordenadora do Instituto Pré-aut no Ceará descreve as possíveis falahs existentes na circulação pulsional entre mãe e bebê e enumera as formas para que aconteça uma intervenção precoce. Questiona se é possível prevenis e mudar o rumo desse suceder.

Um bebê sozinho "não é nada", segundo Donald Winnicott. Com isso, o grande psiquiatra e psicanalista inglês quis definir, talvez, a insuficiência biológica, a imensa maturidade contingente do recém-nato humano. "A mente, a aparelhagem psíquica (ou essa força que nos anima), nos faz falar e pensar, desejar e cometer insanidades, sonhar e ter pesadelos, gaguejar, deprimir-nos, delirar, odiar ou precisar do que não queremos. Todo esse fluxo, "não é nada" sem um outro que nos repasse de si seus próprios fluxos, ao revês; seus desejos, pedaços de sua alma", descreve a psiquiatra e psicanalista Maria Helena Cardoso Marques, coordenadora do Pré-Aut (Instituto de Prevenção do Austismo) no Ceará.

Também coordenada o Seminário "Saúde, Infância, Cultura e Psicanálise", cujas palestras (entrada gratuita), realizadas quinzenalmente ao longo deste ano, abrangem temas como: filosofia, linguística, antropologia, sociologia, raízes gregas da tragédia, mito edípico e a constituição da fala e da voz mãe-bebê. Para o segundo semestre estão previstas palestras sobre neurociência, bioética, psicanálise aplicada e em extensão, políticas públicas de saúde e pediatria. Amanhã, a partir das 19h30min, o escritor Manoel Bulcão tratará do tema "Homo Phallus Erectus"; no próximo encontro, dia 3 de maio, a Profa. Dra. Heroltilde Honorário falará sobre "História social da família e da criança".

Qual a importância do fluxo existente na relação mãe-bebê para a formação de um ser pleno?

Recentemente, a neurociência divulga o que Freud postulou há 100 anos: "ligações entre neurônios, funções cerebrais acompanhando os aconteceres psíquicos". Segundo Graciela Crespin, os bebês humanos têm uma apetência simbólica que os faz procurar modos de relação e representação ao mesmo tempo que de nutrição e cuidados físicos. Winnicott fala de uma mãe-ambiente, onde o bebê deverá estar inserido antes de poder relacionar-se. Creio que o conceito de pulsão em Freud refere-se a este específico desvio biológico que no homem faz impossível a existência sem uma relação iniciada ao nascer, contínua e prolongada até a morte. Nos animais equivale ao instinto que tem fases e é descontínuo.

Quais desdobramentos podem advir de uma possível ruptura e/ou fragilidade nos laços mãe-bebê?

O recém-nascido do homem, sem investimento amoroso de seu (sua mãe) "semelhante prestativo", só irá sobreviver por alguns meses. Alguns bebês podem, no entanto, "ausentar-se" (psiquicamente) e não construir relação desejante, pulsional e simbólica por meio de um outro ser semelhante (as causas podem ser múltiplas e encontrar-se entre mãe-bebê, na própria criança, na mãe (afetada por depressão ou psicose e ainda "ausente" psiquicamente de modo involuntário, psicossomático, ou ainda em situações ambientais extremas). Autismos, psicoses precoces, debilidade mental, transtornos psicossomáticos do bebê ou transtornos comportamentais graves tardios.

Por que o olhar e a voz da mãe são os objetos mais marcantes para a identificação e a formação do circuito pulsional (olhar, olhar-se e ser olhado)?

A partir do quinto mês gestacional o feto escuta e discrimina vozes. Antes de comer, ele ouve. O "objeto" voz (na fala da mãe que, se esta estiver enamorada possui uma prosódia e melodia específicas e universal: o "manhês" ou "motheres") é logicamente buscado pelo bebê ainda sem "separação psíquica" de seu continente materno. O olhar, que não se trata da visão (pois esta é uma função do órgão), é uma construção da aparelhagem psíquica que a mãe dirige a seu bebê para que ele ai se mire e principie a se procurar no espaço exterior (o rosto materno).

O que pode ocorrer quando há uma falha nessa circulação pulsional? Seria nesses momentos que poderiam ocorrer fechamentos autísticos? Na sua opinião, como isso ocorre?

A falha no circuito pulsional aponta no sentido da fragilidade ou da não constituição do laço mãe-bebê, do laço primordial. Isso não quer dizer que necessariamente vai ocorrer o autismo, nesse caso. Quando a circulação da pulsão não se faz via objeto materno ou substituto (a função materna não é de uma pessoa que se trata, mas de um modo de interação com um bebê). O bebê sem o "objeto maternante" investe seu fluxo pulsional em seu próprio corpo orgânico e são os autistas que mais percebem os funcionamentos de seus órgãos internos e têm uma espécie de continuidade entre funções involuntárias e movimentos musculares e sensoriais, com extraordinário domínio "psicossomático".

É possível prever tais acontecimentos mediante uma intervenção precoce?

Os integrantes do Instituto Pré-Aut, os que trabalham com autistas e escutam a história de suas mães, de seus inícios, acreditamos poder intervir. Escutamos, muitas vezes, as histórias de mães que achavam, elas mesmas, que estranhavam, condutas anormais em seus bebês. Atualmente, o trabalho que realizamos é destinado aos pediatras e enfermeiros puericultores, pois apenas estes têm a chance de atender mães e bebês nos seus primeiros meses de vida. Esses profissionais estão sendo informados sobre a semiologia do laço psíquico e poderão detectar precocemente doenças de tanta gravidade e que invalidam seus portadores e suas mães, permanentes cuidadoras.

FIQUE POR DENTRO

Pró-Aut no Ceará

Desde 1998, os serviços materno-infantis da rede pública de saúde parisiense incluem ações de pesquisa e prevenção por iniciativa de um grupo de psicanalistas que se ocupam da clínica de crianças com espectro autístico. Objetivam o apoio dos serviços que correspondem no Brasil aos centros de saúde da família. Contam com a adesão de pesquisadores da França e do Reino Unido, mais dedicados às correntes da neurociência e das práticas cognitivo-comportamentalistas, geneticistas de ponta. Aos autismos de Kanner se juntaram os Asperger, os sindrômicos, os pseudo-deficitários, os "savants" (os médicos estadunidenses). Elaboraram métodos que passam a ser usados na capacitação de pediatras e enfermeiros puericultores sob a coordenação da Rede Pré-Aut (França, Reino Unido, Argentina e Brasil). No Ceará, a pesquisa é coordenada por Maria Helena Cardoso; a equipe brasileira é liderada por Cláudia Mascarenhas (BA).

A pesquisa do Pró-Aut de Maria Helena no Ceará acontece em três postos de Atenção Básica (PSF), em Iguatu, onde há um ano integra a equipe da "Casa Azul - 1º CAPS Infantil do Ceará"; é co-coordenadora do Programa de Acompanhamento ao Desenvolvimento Infantil. No Albert Sabin, trabalha há 20 anos como inter-consultora. Em seu núcleo de acompanhamento infantil egressos da internação de médio risco (NAVI) fará uma pesquisa junto aos bebês com afecções. No Hospital Gonzaga Mota, em Messejana, supervisiona e orienta estudos teóricos para o trabalho com mães-bebês.

MAIS INFORMAÇÕES:
Seminário Sáude, infância, cultura e psicanálise
Palestra "Homo Phallus Erectus", com o escritor Manoel Bulcão
dia 19, às 19h30min (entrada gratuita)
Auditório Unimed Fortaleza
(85) 8857.1255; (85) 3255.3658


GIOVANNA SAMPAIO
EDITORA

Fonte: Diário do Nordeste

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