quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ex-votos em Canindé

“A festa de S. Francisco estava próxima e, naquele dia, uma imensa peregrinação invadiu a pequena cidade onde nos detivemos. [...] Almoçamos em um albergue escuro; a proprietária não aceitou nada – da mesma maneira que, no caminho de volta, o dono do Café onde bebemos alguma coisa: a amizade do chefe de polícia bem que valia alguns presentinhos.Pelas ruas, eram vendidas horríveis fotografias do Santuário dedicado a S. Francisco; ele era tão feio quanto elas. Mas o barracão dos ex-votos era ainda mais extraordinário que a Sacristia do Senhor do Bonfim. Ao centro, amontoavam-se os objetos de madeira, que anualmente são queimados em uma fogueira: bonecas feiticeiras, braços, pernas, pés, mãos, cabeças, sexos, muletas; o monte chegava quase ao teto. Nas paredes, fotografias, desenhos, pinturas representavam os acidentes de que o fiel havia escapado, ou as doenças curadas por S. Francisco: úlceras, chagas, tumores, lupas, bócios, pústulas, dartros, deformações. Os órgãos ou membros doentes eram figurados em gesso, em cera: fígados, rins, inúmeros sexos; o tempo mofara e apodrecera esses simulacros [...] Atravessamos uma aldeia onde bandeirolas, grinaldas, açafates anunciavam uma festa; cruzamos velhos carros, carregados de jovens; passamos por bandos, em marcha; os rapazes usavam lustrosas camisas verdes e as moças vestidos de cores vivas; traziam os sapatos nas mãos, não só para não estragá-los, como também para descansar os pés.”

Trecho de Sob o Signo da História, de Simone de Beauvoir.

Fonte:O POVO

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