domingo, 3 de julho de 2011

A literatura infantil brasileira


A literatura infantil brasileira

Publicado em 3 de julho de 2011 
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Os contos de fadas estão ligados aos eternos dilemas que o homem tem que enfrentar durante seu amadurecimento emocional: passagem da fase egocêntrica - o eu está no centro, para o sociocentrismo - fase de socialização em que o indivíduo passa a viver o nós e, por conta dessa passagem, deverá compreender certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social, percebendo a diferença entre bem/mal, bom/mau, belo/feio, certo/errado, etc. Nos contos de fadas, o maravilhoso tem significado simbólico. As crianças, em contato com esse mundo maravilhoso que se descortina aos seus olhos ou que adentra em seu mundo, tendem a se identificar com seus heróis, isto faz com que busquem atitudes muito próximas daqueles que admiram, como observa Coelho (2000): (Texto I)

As artes de contar
A arte de contar histórias nasceu a partir do momento em que o homem sentiu a necessidade de comunicação, entretanto só é possível discorrer sobre a Literatura infantil a partir do século XVII, época da reorganização do ensino e da fundação do sistema burguês. O livro infantil, nos primeiros tempos, era basicamente moralista e didático e sua leitura utilitária, ligada à lição e à intenção pedagógica.

Merece destaque Charles Perrault com sua primeira seleção de contos composta de seis contos de fadas e dois contos maravilhosos e recebeu o nome de Histórias do tempo passado com suas moralidades: contos de minha mãe gansa (1697). Os contos aí incluídos são: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar.

No século XVIII, com a ascensão da burguesia na sociedade europeia, surge a necessidade de investir na educação como forma de preparar o sujeito para a vida adulta, levando a infância a ser encarada com mais atenção. As fadas passaram a um segundo plano no interesse dos adultos e se recolheram ao mundo infantil. Surge então a Literatura para a criança com um propósito de atender às imposições da ideologia burguesa. Em consonância com tais ideologias, Zilberman (2003) afirma que: (Texto II)

Para os estudiosos do conto infantil moderno, houve uma evolução do ponto de vista narrativo nos contos de fadas, alguns aspectos permaneceram, entretanto outros mudaram radicalmente. Por outro lado, alguns aspectos desapareceram como a utilização do medo, da crueldade e da angústia, sendo que outros são atenuados; existe um certo perdão para determinadas ações que antes eram punidas com rigor.

Percurso histórico
A Literatura infantil brasileira percorreu um longo caminho que começou com adaptações de obras europeias, principalmente as portuguesas e, somente aos poucos, passou a ter uma literatura infantil brasileira emancipadora com inúmeras histórias originais.

Em Portugal, assim como no Brasil, os contos de fadas são conhecidos como contos da carochinha e surgiram a partir do século XIX. Por não ter origem popular e, de certa forma, foi imposta no período de transição entre os séculos XIX e XX, somente por ocasião da proclamação da República, época de grandes transformações, é que a literatura infantil brasileira tornou-se mais perceptível.

A Literatura brasileira está intimamente associada à abolição da escravatura e à República, pois naquele momento, havia a necessidade de formar a imagem de um Brasil que se estava modernizando. Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1986) no livro Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos: (Texto III)

Moldes europeus
Do final do século XIX a meados dos anos de 1920, o Brasil apresentou uma literatura em moldes europeus. Como não havia uma tradição de escritores infantis, os escritores brasileiros buscaram então repetir e recriar o que ocorrera na Europa, como as adaptações de clássicos da literatura (Dom Quixote das Crianças, de 1936) de obras européias destinadas à infância (Peter Pan, 1930), na mitologia ocidental (O Minotauro, 1939), o aproveitamento da história (História do Mundo para Crianças, de 1933), da geografia (Geografia de Dona Benta, de 1935), da matemática (Aritmética da Emília, de 1937), que aparecem em muitos dos títulos.

Foi preciso traduzir obras estrangeiras que originalmente eram destinadas aos adultos e adaptá-las ao público infantil ou apelar para a tradição popular, como as inclusões do folclore, acreditando que as crianças gostariam de ver, nos livros, histórias parecidas àquelas que as mães, amas-de-leite, escravas e ex-escravas contavam em voz alta, como as Histórias de Tia Nastácia, de 1937. Em 1885, Sílvio Romero publicou Contos Populares do Brasil, provavelmente com o intuito de valorizar o folclore e as várias expressões orais do Brasil.

A metamorfose
De 1921 até meados da década de 40, ocorre uma nova mudança na visão da Literatura infantil. Monteiro Lobato rompeu a dependência com o padrão culto da época, introduziu a oralidade tanto na fala das personagens como no discurso do narrador. Publica A Menina do Narizinho Arrebitado.

A obra infantil lobatiana revela um compromisso com a criança que vive a infância intensamente, com a liberdade de expressar seus desejos e sonhos infantis. O escritor revelou a preocupação em escrever histórias para crianças numa linguagem compreensível e atraente; esse objetivo foi plenamente alcançado pelo autor, cuja obra é até hoje uma das mais importantes da literatura infantil brasileira. Os personagens criados por Lobato (para a série de livros que tem como cenário o Sítio do Pica-pau Amarelo) geralmente trazem consigo características dos grandes heróis tradicionais, além disso, possuem qualidades singulares, seu universo aproxima-se do universo das crianças e permite certa identificação. As personagens também possuem independência e inteligência, tomam iniciativas, resolvem problemas, bordam os adultos de igual para igual e, principalmente, vivem sobre o princípio da ética e a justiça entre os indivíduos.

Outra característica de Lobato é fazer com que o Sítio se tornasse um mundo independente e autossuficiente, ele se situa em um sítio apenas, não é mencionada a cidade e nem o estado, o máximo que se pode presumir é que ele situa-se no Brasil ou que ele é uma metáfora do Brasil.

Outros caminhos
A década de 70 foi marcada pela cópia do modelo lobatiano sem recuperar a qualidade de suas obras. O modelo lobatiano de contar histórias foi absorvido pelos novos autores e repetido à exaustão, sem muita inventividade ou preocupação em retratar a diversidade cultural brasileira em seu linguajar próprio.

Essa década foi marcada por obras que metaforicamente buscaram a denúncia social, a apropriação de elementos da cultura de massa, além de uma extensa produção de livros destinados a muitas áreas do conhecimento. O livro infantil passou a ser mais valorizado, e a criança começou a ser olhada como um consumidor em potencial.

A partir de 1970,os contos de fadas foram retomados. Entretanto, esta retomada fundamentou-se na imitação irônica e paródica dos textos primeiros. Retomados, os contos criticam os modelos estereotipados do comportamento burguês e, aliando humor e ironia, investem na metalinguagem, renovando a visão de mundo e acrescentando percepções inovadoras em relação aos valores sociais e culturais. Essa renovação encontra na paródia um de seus recursos básicos: forma e conteúdo são carnavalizados.

Trechos
TEXTO I
Lembra a psicanálise que a criança é levada a se identificar com o herói bom e belo, não devido à sua bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente desejo de bondade e de beleza e, principalmente, sua necessidade de segurança e proteção. Identificada com os heróis e as heroínas do mundo maravilhoso, a criança é levada, inconscientemente, a resolver sua própria situação _ superando o medo que a inibe e ajudando-a a enfrentar os perigos e as ameaças que sente à sua volta e assim, gradativamente, poder alcançar equilíbrio adulto. (p. 55)

TEXTO II
[...]a literatura infantil é primeiramente um problema pedagógico, e não literário. Por tal razão, se decorre de uma situação histórica particular, vinculada à origem da família burguesa e da infância como "classe" especial, participa dessa circunstância não apenas porque provê textos a esta nova faixa, mas porque colabora em sua dominação, ao aliar-se ao ensino e transformar-se em seu instrumento. (p. 44)

TEXTO III
A extinção do trabalho escravo, o crescimento e a diversificação da população urbana, a incorporação progressiva de levas de imigrantes à paisagem local da cidade, a complexidade crescente da estrutura administrativa são sinais de uma nova situação. E são eles que começam a configurar a existência de um virtual público consumidor de livros infantis e escolares, dois gêneros que também saem fortalecidos das várias campanhas de alfabetização deflagradas e lideradas, nesta época, por intelectuais, políticos e educadores. (p. 15)

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