domingo, 3 de julho de 2011

Os contos de fadas na educação infantil



Publicado em 3 de julho de 2011 
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A Literatura Infantil é um gênero que pode ser definido através de seu destinatário ou consumidor. Difere-se das demais Literaturas por sua forma, estilo e assunto apresentados: preferencialmente temas que estejam intrinsecamente ligados ao interesse da criança. Esse ensaio visa discutir as relações entre os contos de fadas e a educação infantil, a importância desse tipo de narrativa para as crianças, na escola, ressaltando sua relevância para o desenvolvimento da imaginação e o incentivo à criatividade como aspectos fundamentais para a formação do seu caráter e aprendizagem da língua
Compagnon (1999, p. 31-33) argumenta que em suas origens, a Literatura Infantil surgiu como uma forma literária menor, relacionada à função utilitário-pedagógica. Em latim, litteratura vem de littera que significa letra do alfabeto. O termo foi mudando de acordo com os contextos e as culturas. No século XIV literato era o indivíduo de sabedoria, ciências e letras, no Renascimento o termo caracterizava a pessoa como culta; na idéia clássica Literatura correspondia a todos os livros que havia na biblioteca, não somente a ficção, mas também de Filosofia, Ciências. Na concepção romântica, Literatura era tudo o que os cânones escreviam.

A Literatura infantil e a escola estão intimamente ligadas uma vez que as crianças frequentam a escola e para que tenham acesso à leitura dos contos faz-se necessário que aprendam a ler. Nesse sentido, percebe-se, pelo fato da Literatura infantil e a escola possuírem esse extremo vínculo, que muitas obras dedicadas a este público acabam tendo um cunho pedagógico.

O literário
Compagnon (1999, p. 36-40) enfatiza que na contemporaneidade, o conceito de Literatura é muito vasto, vai dos consagrados clássicos até os livros para crianças. Na busca de elevar o caráter literário de algumas obras, busca-se caracterizá-lo não pela teoria literária, mas pela Sociologia, pela Psicologia e pela Pedagogia. Dessa forma a conceitualização de uma obra literária vai além da Literatura. Além disso, o conceito de literário traz em sua definição a idéia de que para ser realmente literária a obra deverá desempenhar algumas funções tais como: a possibilidade de autoconhecimento, sair do individualismo e atravessar o outro e ser uma fortaleza contra a barbárie. (...) A Literatura infantil caracteriza-se por sua opacidade, é conotativa, complexa, faz uso do imaginário, da função estética e poética, extrapola, sem fim prático, o material linguístico, produz também uma rede metafórica que se faz presente no texto escrito, na ilustração, e no entre-lugar híbrido da junção das linguagens.

Origens e características
Busatto (2006, p. 86) argumenta que a partir do momento em que falar não foi mais suficiente para estar no mundo, o homem começou a pensar em suportes e maneiras criativas para organizar esta aquisição: a escrita. Dessa maneira, selou a passagem nunca concluída de uma existência oralmente configurada, ouvida e compartilhada comunitariamente, para a existência de um mundo a ser lido. A palavra conto pode ser entendida em português sob o sentido de historieta, fábula ou narração, entre outros. Desde a Idade Média o verbo contar tem sido usado com o sentido de enumerar, relatar, tendo como sentido de conto uma narrativa. O ato de narrar fatos, acontecidos ou não, é tão antigo quanto a humanidade, está associado ao momento em que o homem começa a conviver em pequenos grupos ou comunidades, tendo como consequência a gênese das sociedades modernas.

O conto
Moisés (2001, p. 37) considera que o conto é, do prisma de sua história e de sua essência, a matriz da novela e do romance, mas isto não significa que deva poder, necessariamente, transformar-se neles. O conto, apesar de sua aparência singela, por ser na maior parte das vezes de extensão reduzida e por conter poucas personagens, é, na realidade, uma narrativa que pode vir a ter uma estrutura bastante complexa; constitui-se de um enredo, personagem ou personagens, tempo, espaço, foco narrativo; constitui-se de uma célula dramática, contendo um só conflito e uma unidade de ação, sendo evitados os excessos e as divagações. Segundo Coelho (1985, p. 112) nos contos de fadas a unidade dramática é muito comum; a estrutura narrativa predominante nessas histórias é simples: um só núcleo dramático do qual dependem todos os episódios que compõem a intriga.

Singularidades
Nos contos de fadas, o narrador preferencial é o de terceira pessoa onisciente, observador. Esse tipo de narrador acentua o tom narrativo do texto muito mais que o narrador em primeira pessoa, cuja tendência é de introspecção e confissão. O epílogo do conto, geralmente, corresponde ao clímax da história, é, em geral, enigmático e surpreendente para o leitor, que se vê surpreendido por um desfecho imprevisível.

A origem do conto é desconhecida, mas se considera que esse tipo de narrativa tenha sido a precursora de outras formas literárias, visto que se pode considerar alguns textos bíblicos como sendo contos.

Os contos de fadas eram escritos, a princípio, mais para os adultos do que para as crianças e mais para as camadas inferiores e extremamente exploradas. Acredita-se que a responsabilidade pela criação dos contos deva-se somente à imaginação e experiência dos escritores, pois tais narrativas nasceram ou de acontecimentos reais, contados e recontados pelo povo ou de lendas inventadas por gerações e gerações de narradores anônimos.

Os celtas
Coelho (1991, p. 75) afirma que o povo celta foi o que mais influenciou os demais a respeito da convivência humana, à espiritualidade e às questões religiosas, exaltando o imaginário; atuaram em todo processo de formação e transformação da cultura do Ocidente. Foi entre eles que surgiram as fadas que eram mulheres sobrenaturais. Ela ressalta, em seu livro O Conto de Fadas, que etimologicamente, a palavra fada vem do latim fatum = destino, fatalidade, oráculo... Estes seres fantásticos ou imaginários, de grande beleza, mestras da magia quase sempre ligadas ao amor, se apresentam em forma de mulher, surgem nas narrativas para, com seus poderes, auxiliarem os homens em situações difíceis ou, quando não, praticamente impossíveis.

LUISA HELENA DE QUEIROZ LOPESCOLABORADORA*
* Do Curso de Letras da Uece
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Do gênero

Os contos de fadas são narrativas com ou sem a presença de fadas que apresentam como núcleo a realização do herói ou da heroína através de provas ou obstáculos que serão vencidos, como se fosse um ritual iniciático para autorrealização existencial. Esse tipo de conto surgiu de várias fontes e com problemáticas muito diferentes com variadas origens. Os contos de fadas, de modo geral, têm conteúdos morais implícitos, ensinamentos que são passados de forma espontânea, já que os conteúdos éticos têm como veículo o lúdico. A criança em sua formação, tanto moral como cognitiva, recebe a influência dos pais, que a acompanham nas experiências da vida infantil e, além disso, há a ascendência da herança cultural quando transmitida de maneira natural. Os contos de fadas e a Literatura de um modo geral canalizam melhor essas informações para que a criança desenvolva sua mente e personalidade.

Uma fonte de leitura prazerosa



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Pode-se dizer que a Literatura infantil está intimamente ligada à escola. Pois tais obras surgiram na França, nos séculos XVII e XVIII, com a Revolução Industrial, a decadência do Feudalismo e o fortalecimento da burguesia por meio de instituições como a família e a escola. Perrot, (1991) ressalta que: (Texto IV)

O papel escolar
A escola é de suma importância para a Literatura infantil, porque é o agente ideal para a formação cultural do indivíduo, é o espaço privilegiado onde deverão ser lançados desafios que abrirão caminhos na mente humana rumo à aprendizagem. A escola deve ter como objetivo formar cidadãos críticos, com opiniões próprias e força de caráter. Isso, em grande parte, se dá com a leitura.

A leitura é um instrumento valioso para a apropriação de conhecimentos relativos ao mundo exterior, amplia e aprimora o vocabulário e contribui para o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo, uma vez que possibilita o contato com diferentes ideias e experiências. Sua prática traz consequências maravilhosas, os conhecimentos de mundo se ampliam prazerosamente, e não ocorrem por imposição. Através da leitura o aluno pode desvendar a existência ao seu redor, e, ao romper seu horizonte de expectativas, amplia seu universo de entendimento. O estudo literário transmitido na escola é o mais completo no estímulo do exercício da mente, na percepção do real, na consciência do mundo, no próprio estudo e conhecimento da língua e expressão verbal. O professor deve desempenhar o papel mediador no processo de leitura e escrita, promovendo a contextualização da língua em seu uso através da escrita. A leitura deve, portanto, ter uma grande participação na compreensão da gramática, sem, no entanto, depender tão-somente da nomenclatura.

O mediador
O professor que trabalha com Literatura infantil deve ter em mente o seu papel de estimulador, orientador e mediador entre o aluno e a Literatura que será o meio de acesso para o conhecimento e o mundo da cultura, que caracteriza a sociedade em que vive.

Para que a Literatura infantil consiga de fato trazer benefícios para o desenvolvimento cognitivo e à aprendizagem do aluno, faz-se necessário, entre outros fatores, que o professor faça a correta adequação do livro às necessidades e interesses da criança, de acordo com a etapa do desenvolvimento em que se encontra. O educador deve estar consciente de que a criança é um aprendiz e busca, em sua interação com o mundo, internalizar sua cultura, ora por repetição da tradição familiar, ora pelos valores e ideais impostos pela sociedade. Nesse contexto é que se firma o lugar que a escola representa na concepção de literatura. ZILBERMAN & LAJOLO (1985) afirmam que: (Texto V)

Entretanto a prática de leitura promovida pela escola pouco contribui para a formação de leitores competentes. Há evidências de que professores de Língua Portuguesa enfatizam o estudo da nomenclatura gramatical, através de exercícios mecanicistas, nos quais a reflexão e a interação aluno-professor e aluno-aluno é pouco expressiva. A leitura deve, portanto, ter uma grande participação na compreensão da gramática, sem, no entanto, depender da nomenclatura.

A formação dos leitores
Os contos de fadas têm uma importância fundamental no desenvolvimento infantil, para seu amadurecimento intelectual e emotivo, porque servem de veículo ao pequeno leitor, de conteúdos e substratos da psique humana que se encontram arraigados dentro de sua própria psique; contribuem decisivamente para introdução das crianças no universo da linguagem e da escrita por meio do ato de contar, de ouvir, de ler histórias, porque tem correspondência com a linguagem que praticam no cotidiano.

As visões
Antunes (2003, p. 64-67), argumenta que não é possível dissociar aprendizagem da leitura e aprendizagem da escrita, porque são atividades de interação que se complementam, portanto uma prática social. Isso significa que compete ao professor possibilitar ao aluno a escrita de textos para diferentes interlocutores, com objetivos diferentes, organizados nos mais diversos gêneros, para circularem em variados espaços sociais, de maneira adequada à situação em que se insere o evento comunicativo.

Os PCNs de Língua Portuguesa (1998, p. 24) sugerem que os textos selecionados para uso didático sejam aqueles que favoreçam a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamentos mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem em sua plenitude.

A literatura infantil, na sociedade em constante mutação, serve como agente de formação/transformação; configura-se como um conjunto de manifestações e de atividades que têm como base a palavra artística e/ou a ilustração artística que interessa à criança. Os contos de fadas como narrativa de caráter alegórico cumprem uma função social de extrema importância, à medida que ajuda a criança não só a enfrentar o seu próprio mundo sem traumas, como também a ajuda a expandir o imaginário. O interesse, provocado no receptor, está no aspecto de liberdade e na aceitação voluntária de elementos que, também, usará livremente para a construção de sua própria consciência. Zilberman & Lajolo (1985) ressaltam que: (Texto VI)

Considerações finais
É tarefa da Literatura promover ao individuo subsídios que o faça espelhar-se, para que seja capaz de resolver seus conflitos, os quais muitas vezes não conseguem entender; essa luta para a criança é feita através do pensamento mágico contido nos contos de fadas. As propostas de leitura da Literatura infantil, em sala de aula, defendem a necessidade de a comunicação literária pautar-se pelo prazer de ler e pela interação afetiva do leitor com o texto, pela manutenção do encantamento por aquilo que é contado que acarreta a transposição do mundo real para o mundo da imaginação.

Em contrapartida, a nova roupagem dada à literatura contemporânea, não mais se preocupa em buscar atender aos anseios infantis, busca atender às necessidades da sociedade atual, visto que o discurso assumido agora reflete uma preocupação em construir uma imagem de criança não voltada para o prazer, mas para o útil, com apelo especial para a formação de um futuro adulto. A tendência hoje é localizar a carência infantil e influenciá-la com uma história que vá direto ao ponto.

Compete ao professor adequar-se às mudanças e instigar o interesse das crianças pelo universo maravilhoso dos contos de fadas, entretanto, para que isso ocorra, faz-se necessário que ele seja um leitor proficiente e alimente aproximar ao máximo o texto literário e o cotidiano de seus alunos; faz-se necessário que ele seja literariamente letrado e forme cidadãos letrados, que ele assuma a Literatura como parte de sua vida, como uma constante em seu cotidiano.

Trechos
TEXTO IV
A família é a garantia da moralidade natural. Funda-se sobre o casamento monogâmico, estabelecido por acordo mútuo; as paixões são contingentes, e até perigosas; o melhor casamento é o casamento "arranjado" ao qual se sucede a afeição, e não vice-versa. A família é uma construção racional e voluntária, unida por fortes laços espirituais, por exemplo, a memória e materiais. O patrimônio é, a um só tempo, necessidade econômica e afirmação simbólica. A família "objeto de devoção para os membros", é um ser moral: Uma única pessoa cujos membros são acidentes. (p. 94)

TEXTO V
A justificativa que legitima o uso do livro na escola nasce, pois, de um lado, da relação que estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância: e, de outro, do papel transformador que pode exercer dentro do ensino, trazendo-o para a realidade do estudante (p.25).

TEXTO VI
A literatura infantil, nesta medida, é levada a realizar sua função formadora, que não se confunde com uma missão pedagógica. Com efeito, ela dá conta de uma tarefa a que está voltada toda a cultura - a de conhecimento do mundo e do ser (p.25).

Saiba mais
COHEN, J. Estrutura da linguagem poética. São Paulo, Cultrix: EDUSP, 1974.

LINHARES FILHO, José. No limiar dos invernos. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2010.

MARQUES, Rodrigo. O livro de Marta. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

MEIA-TIGELA, Poeta de. Concerto nº1nico em mim maior para palavra e orquestra. Poema. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2010.

PINHO, Barros. 70 poemas para orvalhar o outono. Fortaleza: Premius, 2010.

A literatura infantil brasileira


A literatura infantil brasileira

Publicado em 3 de julho de 2011 
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Os contos de fadas estão ligados aos eternos dilemas que o homem tem que enfrentar durante seu amadurecimento emocional: passagem da fase egocêntrica - o eu está no centro, para o sociocentrismo - fase de socialização em que o indivíduo passa a viver o nós e, por conta dessa passagem, deverá compreender certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social, percebendo a diferença entre bem/mal, bom/mau, belo/feio, certo/errado, etc. Nos contos de fadas, o maravilhoso tem significado simbólico. As crianças, em contato com esse mundo maravilhoso que se descortina aos seus olhos ou que adentra em seu mundo, tendem a se identificar com seus heróis, isto faz com que busquem atitudes muito próximas daqueles que admiram, como observa Coelho (2000): (Texto I)

As artes de contar
A arte de contar histórias nasceu a partir do momento em que o homem sentiu a necessidade de comunicação, entretanto só é possível discorrer sobre a Literatura infantil a partir do século XVII, época da reorganização do ensino e da fundação do sistema burguês. O livro infantil, nos primeiros tempos, era basicamente moralista e didático e sua leitura utilitária, ligada à lição e à intenção pedagógica.

Merece destaque Charles Perrault com sua primeira seleção de contos composta de seis contos de fadas e dois contos maravilhosos e recebeu o nome de Histórias do tempo passado com suas moralidades: contos de minha mãe gansa (1697). Os contos aí incluídos são: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar.

No século XVIII, com a ascensão da burguesia na sociedade europeia, surge a necessidade de investir na educação como forma de preparar o sujeito para a vida adulta, levando a infância a ser encarada com mais atenção. As fadas passaram a um segundo plano no interesse dos adultos e se recolheram ao mundo infantil. Surge então a Literatura para a criança com um propósito de atender às imposições da ideologia burguesa. Em consonância com tais ideologias, Zilberman (2003) afirma que: (Texto II)

Para os estudiosos do conto infantil moderno, houve uma evolução do ponto de vista narrativo nos contos de fadas, alguns aspectos permaneceram, entretanto outros mudaram radicalmente. Por outro lado, alguns aspectos desapareceram como a utilização do medo, da crueldade e da angústia, sendo que outros são atenuados; existe um certo perdão para determinadas ações que antes eram punidas com rigor.

Percurso histórico
A Literatura infantil brasileira percorreu um longo caminho que começou com adaptações de obras europeias, principalmente as portuguesas e, somente aos poucos, passou a ter uma literatura infantil brasileira emancipadora com inúmeras histórias originais.

Em Portugal, assim como no Brasil, os contos de fadas são conhecidos como contos da carochinha e surgiram a partir do século XIX. Por não ter origem popular e, de certa forma, foi imposta no período de transição entre os séculos XIX e XX, somente por ocasião da proclamação da República, época de grandes transformações, é que a literatura infantil brasileira tornou-se mais perceptível.

A Literatura brasileira está intimamente associada à abolição da escravatura e à República, pois naquele momento, havia a necessidade de formar a imagem de um Brasil que se estava modernizando. Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1986) no livro Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos: (Texto III)

Moldes europeus
Do final do século XIX a meados dos anos de 1920, o Brasil apresentou uma literatura em moldes europeus. Como não havia uma tradição de escritores infantis, os escritores brasileiros buscaram então repetir e recriar o que ocorrera na Europa, como as adaptações de clássicos da literatura (Dom Quixote das Crianças, de 1936) de obras européias destinadas à infância (Peter Pan, 1930), na mitologia ocidental (O Minotauro, 1939), o aproveitamento da história (História do Mundo para Crianças, de 1933), da geografia (Geografia de Dona Benta, de 1935), da matemática (Aritmética da Emília, de 1937), que aparecem em muitos dos títulos.

Foi preciso traduzir obras estrangeiras que originalmente eram destinadas aos adultos e adaptá-las ao público infantil ou apelar para a tradição popular, como as inclusões do folclore, acreditando que as crianças gostariam de ver, nos livros, histórias parecidas àquelas que as mães, amas-de-leite, escravas e ex-escravas contavam em voz alta, como as Histórias de Tia Nastácia, de 1937. Em 1885, Sílvio Romero publicou Contos Populares do Brasil, provavelmente com o intuito de valorizar o folclore e as várias expressões orais do Brasil.

A metamorfose
De 1921 até meados da década de 40, ocorre uma nova mudança na visão da Literatura infantil. Monteiro Lobato rompeu a dependência com o padrão culto da época, introduziu a oralidade tanto na fala das personagens como no discurso do narrador. Publica A Menina do Narizinho Arrebitado.

A obra infantil lobatiana revela um compromisso com a criança que vive a infância intensamente, com a liberdade de expressar seus desejos e sonhos infantis. O escritor revelou a preocupação em escrever histórias para crianças numa linguagem compreensível e atraente; esse objetivo foi plenamente alcançado pelo autor, cuja obra é até hoje uma das mais importantes da literatura infantil brasileira. Os personagens criados por Lobato (para a série de livros que tem como cenário o Sítio do Pica-pau Amarelo) geralmente trazem consigo características dos grandes heróis tradicionais, além disso, possuem qualidades singulares, seu universo aproxima-se do universo das crianças e permite certa identificação. As personagens também possuem independência e inteligência, tomam iniciativas, resolvem problemas, bordam os adultos de igual para igual e, principalmente, vivem sobre o princípio da ética e a justiça entre os indivíduos.

Outra característica de Lobato é fazer com que o Sítio se tornasse um mundo independente e autossuficiente, ele se situa em um sítio apenas, não é mencionada a cidade e nem o estado, o máximo que se pode presumir é que ele situa-se no Brasil ou que ele é uma metáfora do Brasil.

Outros caminhos
A década de 70 foi marcada pela cópia do modelo lobatiano sem recuperar a qualidade de suas obras. O modelo lobatiano de contar histórias foi absorvido pelos novos autores e repetido à exaustão, sem muita inventividade ou preocupação em retratar a diversidade cultural brasileira em seu linguajar próprio.

Essa década foi marcada por obras que metaforicamente buscaram a denúncia social, a apropriação de elementos da cultura de massa, além de uma extensa produção de livros destinados a muitas áreas do conhecimento. O livro infantil passou a ser mais valorizado, e a criança começou a ser olhada como um consumidor em potencial.

A partir de 1970,os contos de fadas foram retomados. Entretanto, esta retomada fundamentou-se na imitação irônica e paródica dos textos primeiros. Retomados, os contos criticam os modelos estereotipados do comportamento burguês e, aliando humor e ironia, investem na metalinguagem, renovando a visão de mundo e acrescentando percepções inovadoras em relação aos valores sociais e culturais. Essa renovação encontra na paródia um de seus recursos básicos: forma e conteúdo são carnavalizados.

Trechos
TEXTO I
Lembra a psicanálise que a criança é levada a se identificar com o herói bom e belo, não devido à sua bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente desejo de bondade e de beleza e, principalmente, sua necessidade de segurança e proteção. Identificada com os heróis e as heroínas do mundo maravilhoso, a criança é levada, inconscientemente, a resolver sua própria situação _ superando o medo que a inibe e ajudando-a a enfrentar os perigos e as ameaças que sente à sua volta e assim, gradativamente, poder alcançar equilíbrio adulto. (p. 55)

TEXTO II
[...]a literatura infantil é primeiramente um problema pedagógico, e não literário. Por tal razão, se decorre de uma situação histórica particular, vinculada à origem da família burguesa e da infância como "classe" especial, participa dessa circunstância não apenas porque provê textos a esta nova faixa, mas porque colabora em sua dominação, ao aliar-se ao ensino e transformar-se em seu instrumento. (p. 44)

TEXTO III
A extinção do trabalho escravo, o crescimento e a diversificação da população urbana, a incorporação progressiva de levas de imigrantes à paisagem local da cidade, a complexidade crescente da estrutura administrativa são sinais de uma nova situação. E são eles que começam a configurar a existência de um virtual público consumidor de livros infantis e escolares, dois gêneros que também saem fortalecidos das várias campanhas de alfabetização deflagradas e lideradas, nesta época, por intelectuais, políticos e educadores. (p. 15)