domingo, 24 de outubro de 2010

CATADORES DO JANGURUSSU RETROSPECTIVA

DESCARTES GADELHA

CATADORES DO JANGURUSSU
RETROSPECTIVA

18 de outubro a 30 de novembro de 2010

Vida no chorume

Obras expostas
Panoramas da Exposição
Imagens da solenidade de abertura



“Não quero pintar a paisagem do lixo. Quero compreender a alma das pessoas que sobrevivem do lixo.”
Descartes Gadelha


ARTE E RESTOS HUMANOS: O JANGURUSSU DE DESCARTES GADELHA

As regras da museologia proíbem o toque nos quadros de uma exposição. Em alguns espaços, existe uma faixa amarela que demarca até onde se pode ir. As câmeras estão atentas ao que pode ser uma atitude de vandalismo.
Algumas propostas estimulam uma atitude lúdica e o espectador / fruidor é chamado a interferir, mas esta não é a regra, e sim a exceção.
Urubus chegandoSe não podemos ir até a obra, ela pode, algumas vezes, superar os limites impostos pelos chassis, as cores e imagens podem escorrer das telas e instalar um desassossego, nos deixando aturdidos, e mexendo com nossa sensibilidade. É o que acontece com os "Catadores do Jangurussu", do Descartes Gadelha.
Não deve ter sido fácil para o artista esta convivência com situações limites para o ser humano. O resultado é desbragadamente expressionista e tem uma força que a fotografia, por exemplo, não consegue transmitir.
A força pode vir, talvez, da incompletude das imagens, que somos obrigados a refazer com nossos códigos de bom gosto, com as noções de belas artes, e com nosso humanismo ocidental.
Descartes, definitivamente, não combina telas com as cores das paredes, nem com o mobiliário dos "designers" de Milão. Tudo aqui é excessivo, chocante, uma sucessão de socos no estômago, que nem todos aceitam de bom grado receber.
Ele pinta o abismo da condição humana, agravado pela ganância que leva à concentração perversa da renda e ao "apartheid" social, que vem sendo combatido no Brasil, pelas políticas públicas que passaram a focar os excluídos, e pela sociedade civil que passou a incorporar práticas mais responsáveis e solidárias.
Pietá do lixoA reciclagem, por exemplo, levou à desativação do lixão do Jangurussu. Antes disso, Descartes esteve lá, viu urubus rondando a área degradada, cães disputando restos e homens e mulheres rebaixados a condições sub-humanas.
Esta exposição é de pintura. A indignação move o artista, como exercício de cidadania. Ele sentiu o que pintou. O Jangurussu dele não é de cartão postal e não estetiza a miséria. Fica difícil degustar este prato que ele nos oferece. O lixão existiu por conta de nossa omissão. E aqui passa a ser visto como num "travelling", a técnica cinematográfica da varredura. Tem-se o panorama e o impacto dos detalhes. No meio dos escombros, a epifania de uma Pietá. O sujo torna-se matéria estética, não de forma meramente conceitual, de um tardo-dadaísmo ou de uma aposta no efêmero. O estranhamento vem da forma como aceitamos este jogo. Este espaço é um campo de batalha, onde se constrói o manifesto do artista, e onde nós temos o papel do coro da tragédia grega.
Olhos do lixoDescartes Gadelha mostra o que queremos colocar debaixo do tapete ou esquecer que um dia existiu. O incômodo é tão grande que provoca náuseas, mas estamos falando de arte, de grande arte, e de restos humanos, de um material datado dos anos 1980. Levará ainda muito tempo para que possamos exorcizar e fruir tudo isso como algo que não acontece mais. Talvez não aconteça nesta escala, mas homens e mulheres ainda buscam restos de comida nos contêineres do centro da cidade.
Ainda bem que isto é arte. A vida consegue ser, quase sempre, ainda mais dramática.

Gilmar de Carvalho


EXPOSIÇÃO RETROSPECTIVA CATADORES DO JANGURUSSU

COLEÇÃO DE OBRAS REALIZADAS NA DÉCADA DE 1980
SOBRE A COMUNIDADE DE CATADORES DA RAMPA DO JANGURUSSU

Foto: Pedro HumbertoÀs vezes os desenhos ou pinturas não saiam bem feitos, mas às vezes alguns saiam relativamente bem realizados. Na ocasião não percebia as questões técnicas e estéticas porque estava vivendo emocionalmente com a temática. Só paro um trabalho quando a emoção estanca. Depois de um determinado período, quando revejo o trabalho, o mesmo já não me toca, porque a emoção do fazer já não existe mais. Apenas observo a pintura como não tivesse sido feita por mim.
No local existiam as dificuldades concernentes às condições físicas ambientais e de instalação do fazer artístico, entretanto as dificuldades psicológicas diante daquela situação ainda eram maiores porque existia o envolvimento emocional diante daquela situação social de miséria absoluta. Já os aspectos técnicos de tratamento do lixo, bem como os danos que o mesmo causa ao ambiente não foi do meu interesse porque na época já existiam instituições especializadas para as questões relacionadas a degradação ambiental.
EsperaEsse trabalho foi iniciado no começo da década de 1980, lá no aterro. Demorei nove anos para expô-lo porque sempre achava que tanto o aspecto temático quanto pictórico o público não ia gostar. Mas foi o prof. Pedro Eymar Barbosa que me estimulou a realizar a exposição no MAUC no ano de 1989.
Das 80 peças, entre desenhos, gravuras e pinturas realizadas no aterro só foi possível, na primeira exposição, expor 34 devido o espaço do MAUC. Atualmente ainda disponho de 65 peças, dentre as quais serão escolhidas uma quantidade adequada ao espaço do MAUC para a exposição Retrospectiva.
Para a realização do trabalho foram transcritas fitas K7 e, posteriormente, sistematizadas de forma resumida para compor os textos, assim como as observações repentinas e motivadoras. Foram momentos únicos de convivência, segundo os quais as obras foram realizadas.
Boneca sem pernaTanto as gravações, bem como as anotações, foram realizadas no próprio local em diversos momentos de convivência, através de diálogos, na maioria surpreendentes pela espontaneidade e autenticidade das falas.
O pintor como o escultor na realização de uma obra mergulha no espaço da tela como estivesse numa batalha armada, em pleno front. Luta incansavelmente. No final a arte vence e o artista tomba.

Descartes Gadelha


Fonte: Mauc

Nenhum comentário: